quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Luis Augusto Signor: de faxineiro a ambientalista

Por Cristiane Moro e Kátia Bortolini



Crédito imagem: Cristiane Moro.

O presidente da Associação Bento-Gonçalvense de Proteção ao Ambiente Natural (Abepan) Luiz Augusto Signor, mescla senso político nato com equilíbrio na promoção de atividades ecológicas. Signor nasceu em 17 de agosto de 1949, em Bento Gonçalves. É filho dos agricultores Josefina Tessari e Vicente Jardim Signor. Nasceu e se criou no bairro Vila Nova, que, na época de sua infância, era zona rural. Aos 13 anos, começou a trabalhar como faxineiro na Farina Componentes Automotivos. Por escolaridade, tem no currículo o ensino médio completo com ênfase à Segurança no Trabalho. Por liderança nata, tem no currículo mandato de Vereador, de Presidente do Legislativo e de Presidente do Clube Esportivo, entre outras atividades políticas e sociais. Ele se define como uma pessoa perfeccionista, que gosta de plantar árvores, de cuidar de hortas e de cozinhar. A Abepan, presidida por ele desde a fundação, há 21 anos, desde o início conta com o apoio de comunidade política e empresarial do município.

Integração – O Sr. começou a trabalhar com que idade e em que empresa?
Signor – Comecei a trabalhar na empresa Farina S/A Fundição e Metalurgia em dezembro de 1964, com 13 anos, na função de faxineiro. Depois, fui remanejado para a pintura de máquinas. Funcionários da fábrica se reuniram, pedindo para que eu voltasse a ser faxineiro. Um dos diretores não permitiu. Justificou dizendo que “na vida, precisamos sempre nos promover”. Trabalhei também no almoxarifado e fui expeditor. Quando pensei em sair da empresa, aos 18 anos, solicitaram que eu ficasse. Decidi que só ficaria, se pudesse ser motorista. Então, me entregaram a chave de um veículo. Depois, passei a atuar como Gerente de Recursos Humanos. Durante os sete anos em que ocupei o cargo, sempre me preocupei em valorizar os funcionários. Até hoje, diretores da Farina dizem que “o Signor é o melhor Gerente de Recursos Humanos que a empresa já teve”. Ouvir isso me deixa orgulhoso. Nesse meio tempo, fiz vários cursos, voltados à prevenção de acidentes no trabalho. Trabalhei na empresa até dezembro de 1977.

Integração – E a política, como e quando começou a fazer parte de sua vida?
Signor – Comecei na política estudantil. Em 1975, ano que fui eleito presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Mestre Santa Bárbara. Sempre fui o líder da sala de aula. Em 1976, minha turma e eu promovemos a primeira gincana ecológica do município. Em uma das atividades, recolhemos plásticos e vendemos para a Grendene, que estava iniciando suas atividades em Farroupilha. Também recolhemos papéis, comercializados para outras empresas. Também em 1976, os políticos “me buscaram” para presidir a Arena Jovem. Neste mesmo ano, fui eleito vereador pela Arena para um mandato de quatro anos, que acabou sendo de seis anos, por determinação do Governo Militar. No decorrer desse mandato, presidi o Legislativo. Como Presidente da Câmara, assumi por três vezes a prefeitura na ausência do então prefeito Fortunato Rizzardo. Em 1979, coordenei a 1ª Jornada de Debates Sobre Ecologia (JODESE), promovida pela Câmara de Vereadores nas dependências do Colégio Marista Aparecida. Em 1980, coordenei a segunda edição do evento, também ocorrida no Colégio Aparecida. Através de proposta de minha autoria, foi criada na Câmara, em março de 1980, a Comissão Permanente de Defesa do Meio Ambiente.

Integração – O que o Sr. observou no meio político durante o tempo em que exerceu a vereança?
Signor – Percebi que algumas pessoas estão no meio político para se servirem, e não para servir. Ao assumir o cargo de Vereador, pesquisei sobre a palavra e descobri que significa “ver a dor”. Levei isso a sério e cobrei a mesma postura dos outros políticos.

Integração – E a consciência ambiental, quando surgiu?
Signor – Quando criança, aos nove anos, vi meu pai cortando árvores. A cena me deixou muito triste. Ele me explicou que estava fazendo aquilo para poder plantar milho e feijão, para alimentar a família. Disse então: mas pai, e esses filhotinhos de árvore não poderiam ser plantados em outro lugar? Ele respondeu que sim, e foi o que fizemos. Acredito que essa atenção dada a mim por meu pai, naquela ocasião, despertou esse amor que tenho pela natureza.

Integração – Como o Sr. avalia o que é bom e o que é ruim para a natureza?
Signor – O conforto e a tecnologia têm o lado bom e o ruim. O automóvel que nos traz conforto é o mesmo que emite grande quantidade de gases para a camada de ozônio. O que precisamos manter é o equilíbrio. Minhas decisões são sempre baseadas no equilíbrio. Sempre faço uso da razão e não da emoção.

Integração – Quando e com que objetivo foi fundada a Associação Bento-Gonçalvense de Proteção ao Ambiente Natural (ABEPAN)?
Signor – A Abepan foi fundada em 13 de setembro de 1989 para trabalhar em prol da preservação da qualidade do ar, da água, do solo, da flora e fauna de Bento Gonçalves e outros municípios da região Nordeste do Estado.

Integração- De que forma a Abepan atua?
Signor - Trabalhamos desenvolvendo projetos e campanhas. Vários de nossos projetos são voltados à educação ambiental. Nosso trabalho abrange, além de Bento Gonçalves, Flores da Cunha, Cotiporã, Garibaldi, Carlos Barbosa e Nova Roma do Sul, entre outras cidades vizinhas. Nas palestras e ações voltadas à educação ambiental, o tema varia de acordo com a idade e o grau de conhecimento do grupo. Com grupos de crianças e adolescente ministramos palestras, visitamos recicladoras, saídas de esgoto, arroios. que são fontes de captação da Corsan e o percurso que a água faz para chegar em nossas casas. Este ano, já ministramos mais de cem palestras, para cerca de oito mil pessoas, entre alunos do Ensino Fundamental, Médio e Superior e funcionários de empresas.

Integração – Os projetos e outras ações da Abepan abrangem todas as faixas etárias?
Signor – Sim. Os projetos são realizados com crianças do Ensino Fundamental. O trabalho de conscientização abrange todas as idades. São diversos projetos, entre eles o “Lixo que alimenta”, onde as crianças aprendem a trabalhar com adubo orgânico na horta da escola. Outro é o “Projeto Dê Vida: Presenteio Seu Convidado”. A proposta é que o aniversariante presenteie seus convidados com mudas de árvores nativas, que são retiradas gratuitamente na sede da entidade, dentro de um cartucho, identificadas com o nome científico e popular. Apesar de serem projetos singelos, trazem grande resultados. Atualmente também estão em andamento os projetos Beija–Flor, Meio Ambiente na Escola. Lixo que Alimenta e Amigos da Terra. Recentemente, promovemos a terceira edição da Gincana Ecológica de Integração de Bento Gonçalves, com a participação de cinco escolas da sede do município. O prefeito Roberto Lunelli, nesta última edição, inseriu o evento no calendário da Semana de Bento.

Integração – Como a Abepan se mantém?
Signor – Com verbas do município, através de projetos consistentes. Também recebe auxílio do Poder Judiciário, através do envio de pessoas que receberam penas alternativas para trabalhar na Abepan. Recebemos ainda ajuda financeira de empresas e pessoas físicas, associadas à entidade.

Integração – De que forma o Sr. percebe o crescimento da Abepan?
Signor – A Abepan é bastante reconhecida não apenas no município, mas também no Estado e no país. Muitos estudantes universitários vêm de outras regiões para visitar a entidade e buscar informações sobre projetos e outras ações da Abepan, para trabalhos de graduação, mestrado e doutorado. Todos os dias recebemos estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Isso porque, depois das palestras e das saídas em campo, os professores cobram trabalho dos alunos. Então eles vêm até a entidade colher mais informações. Agricultores e empresários também nos procuram em busca de orientações sobre questões ambientais. Recebemos, em média, 19 pessoas por dia.

Integração – Qual é a opinião do Sr. sobre a água consumida pela população de Bento Gonçalves?
Signor – A falta de potabilidade de nossos arroios é um problema antigo. Apesar do grande poder econômico de Bento Gonçalves, a cidade não tem água própria. A água que consumimos vem dos solos de Farroupilha e Garibaldi. A água do arroio Barração e de outras fontes do solo de Bento, está muito comprometida, devido ao alastramento da cidade em direção a bacia e aos córregos. Algumas coisas estão demorando muito para acontecer em Bento, entre elas a instalação de estações de tratamento de esgoto. A Abepan vem reivindicando isso há anos. São inúmeras as doenças que se alastram devido à falta de saneamento e infraestrutura, como a cólera e a dengue. O Arroio Barracão, em minha opinião, está perdido. Assim com o arroio que passava pelo Borgo, antigamente utilizado como fonte de captação, que hoje virou esgoto. A água de nossa cidade, apesar de ser tratada, é sem qualidade.

Integração – O que deve mudar para frear as agressões aos mananciais?
Signor- As pessoas precisam fazer o tema de casa. Muitas reclamam, mas não fazem o mais simples, que é separar o lixo e usar produtos biodegradáveis. O esgoto doméstico ainda é o maior problema, por conter produtos químicos. É detergente, remédio, produtos para desentupir o vaso sanitário. Muitos fazem a troca de óleo dos automóveis em casa. Mas para onde vai o óleo que a pessoa não quer mais? Geralmente, vai para o esgoto. Tem pessoas com conhecimento, aparentemente preparadas, que jogam o óleo das frituras no ralo da pia, ou no esgoto em frente de casa. É fácil criticar o macro. Difícil é adotar atitudes ecologicamente corretas. Além disso, as empresas que vendem materiais e produtos químicos têm por obrigação aceitar de volta quando o consumidor não precisar mais, como acontece no caso das lâmpadas, das pilhas, bateria, e de enviar para a reciclagem. No custo do produto, já está embutido o do recolhimento do material quando este não for mais usado. Se o comerciante não aceitar, está lucrando.

Integração – Como o Sr. vê a consciência ecológica do povo brasileiro?
Signor - No Brasil, em geral, a consciência ecológica despertou tarde. Há 50 anos, quando alguém dizia “poderá faltar água no planeta”, as pessoas achavam um absurdo. Acreditavam que isso não aconteceria porque 2/3 do planeta é água. Hoje, não se diz que poderá faltar, porque temos a certeza de que irá faltar. Acredito que o mundo sofrerá serias consequências dentro de dez anos. No Brasil, apesar de ter muita água, não podemos esquecer que as maiores reservas se encontram na Amazônia, onde vive apenas 8% da população. Na região Sudeste, onde está concentrada a maior parte da população brasileira, tem pouca água. Sabemos que o transporte é caríssimo. O Brasil terá água, mas a preço de whisky importado. Pior do que consumir muita água é degradar a água. A conscientização anda a passos de tartaruga. A cultura dominante é de que o rio leva embora o que eu não quero mais. Mal sabem as pessoas que, de uma forma ou de outra, o que descartarem na água irá voltar para a torneira deles.

Integração – Como está hoje a coleta seletiva em Bento Gonçalves?
Signor – As recicladoras estão bem orientadas. A maior falha ainda está em casa. Visitei Minas do Leão, que recebe nosso lixo, duas vezes. A fiscalização no local é boa. Para mim, a cidade não precisa se preocupar em construir grandes aterros sanitários. Se você depositar na horta parte do lixo orgânico, vai ajudar muito.

Integração – O que é reciclado e o que vai para Minas do Leão?
Signor – Bento Gonçalves produz mais de 80 toneladas de lixo por dia. Desta quantidade, reciclamos apenas 10 toneladas. Bento é uma cidade de pessoas consumistas, graças à renda per capita. Cada pessoa produz, em média, 1,5 quilos de lixo por dia. Não produzimos apenas lixo doméstico. Produzimos também lixo químico, que compromete muito a natureza.

Integração – E a questão da caça e da pesca predatórias?
Signor – Diminuiu consideravelmente na região, principalmente a caça. Quanto à pesca, cito um exemplo sobre o desequilíbrio ecológico causado por esta ação. A diminuição de peixes, com destaque para os lambaris, ocasiona a reprodução excessiva de mosquitos borrachudos gerando vários problemas. O lambari é o predador natural do borrachudo. As fêmeas dos borrachudos atacam os agricultores, os viticultores e os turistas que visitam o interior do município em busca de sangue para alimentar os filhotes. As picadas martirizam ainda mais os homens e mulheres que trabalham nas pequenas propriedades rurais, sob a mercê do tempo. E quem vai querer visitar Bento para receber picadas de mosquito? Se diminuir o turismo, as empresas passam a produzir menos.

Integração – No decorrer dos 21 anos da Abepan, qual foi a principal conquista da entidade?
Signor – A de chamar a atenção para as questões ambientais. As leis que regem essas questões estão aumentando. Empresários estão percebendo que o importante não é apenas ter dinheiro, mas sim, ter dinheiro sem prejudicar o meio ambiente. Progresso que não traz felicidade, não é progresso. O dinheiro pode dar felicidade, mas ninguém é inteiramente feliz sem qualidade de vida. Nas palestras, sempre uso o seguinte exemplo: “se um ser que está para nascer aparecesse em nossa frente, certamente não pediria para que deixássemos para ele dinheiro, uma casa, ou um carro. Pediria para que preservássemos o meio ambiente”.

Integração – Na opinião do Sr. qual é a demanda ambiental mais urgente de Bento Gonçalves?
Signor – O tratamento do esgoto doméstico, que já está encaminhado. As pessoas precisam aprender a respeitar o lixo e o esgoto. Muitas acham que quando colocam o lixo do lado de fora de casa para ser recolhido, está tudo resolvido. Ali acaba o seu problema, mas começa um problema que é de todos. Será que esse lixo não irá poluir os lençóis freáticos ou o poço artesiano? A dor ensina a gemer. E nós ainda precisamos gemer muito até mudar.


Integração – Como é desenvolvido o projeto “Agentes da Natureza”?
Signor – Esse projeto, que abrange crianças de 3ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, existe há 15 anos. Os agentes da natureza são responsáveis por fiscalizar as ações das pessoas perante o meio ambiente. Ele tem o direito de intervir, caso vejam alguém fazendo alguma coisa errada. A preparação desses agentes é feita da seguinte forma: primeiro, eles ouvem um palestra e realizam um trabalho interdisciplinar. Depois, participam de passeio ecológico educativo, conhecendo nascentes de água e recicladoras. Na recicladora, abrimos um saco de lixo, entregamos luvas para as crianças, elas sentem o lixo e avaliam o que estão fazendo em casa. “Eu não sabia que os humanos pegavam nosso lixo na mão”, disse uma menina durante uma visita. Recebem também outras informações, todas relacionadas a atitudes de preservação ambiental. Depois desse processo, que dura cerca de dois meses, ganham as carteirinhas de Agentes da Natureza. Já foram entregues mais de sete mil carteirinhas.

Integração- Como as crianças reagem aos ensinamentos?
Signor – De maneira pró-ativa. Em 2008, uma menina de nove anos, aluna do Colégio Sagrado, depois de ter passado por todo o processo e recebido a carteirinha, chegou em casa e perguntou: “mãe, o pai vai jantar em casa hoje?”. A mãe respondeu que não sabia, mas a criança insistiu e disse que precisava da presença dele para uma reunião em família. A mãe ligou para o pai. Ele ficou preocupado, porque não sabia qual seria o assunto da reunião, mas disse que iria. Depois do jantar, a menina buscou um plástico, colocou na mesa, e derrubou sobre ele lixo. Separou-o corretamente, explicando como o processo deveria ser feito. Ao terminar, disse “a partir de hoje, sou agente da natureza. Mas essa carteirinha não vai valer nada sem a ajuda de vocês. O homem que ministrou a palestra na minha escola disse que as crianças de hoje tem grande possibilidade de passar dos cem anos. E o que vai ser de mim quando eu ficar velha se não terei água para tomar?”. Outra história é de um casal que estava viajando com o filho. A criança viu que tinha um senhor queimando uma área onde tinham árvores. Ele avisou o pai várias vezes, mas ouviu “sim, meu filho. Mas o que tu quer que eu faça?”. “Seja cidadão, pare este carro e me ajude a fazer alguma coisa”, respondeu a criança. Recebo muitas ligações de crianças contando que alguém da família ou algum vizinho não está separando o lixo corretamente.

Integração - Além de presidir a Abepan, que outras atividades o Sr. desenvolve?
Signor - Costumo dizer que eu vivo, porque sei cozinhar. Cozinho profissionalmente. Além disso, presto assessoria para algumas empresas na área de Segurança do Trabalho.

Integração – Alguma mensagem para deixar aos nossos leitores?
Signor – Cada vez mais, precisamos pensar naqueles que ainda não nasceram. Se fizermos isso, vamos perceber que existem coisas mais importantes na vida do que os bens materiais. Precisamos pensar em ter qualidade de vida sempre. O amanhã está muito próximo.

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